sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Por alto e baixo-mar.


Demorei muito a compreender o que Fernando Pessoa propunha com “Navegar é preciso. Viver não é preciso”.


... Na vida vive-se um pouco e no restante se está num estado não de morte, mas de paralisia, agarrado a um toco em alto mar, incapacidade, talvez uma falta de auto-conhecimento. Viver é arriscar e é mais fácil contornar os riscos. Ficar só na maresia. Ondas leves. O alto mar, o abismo é para poucos e poucos são os que se arriscam, os que sabem quando é chegada a hora, o rumo certo, a hora certa de atracar aonde for em terra firme, em alto mar. Quanto mais se esconde, mais perto se está dos próprios medos. O simples fato de fugir, contornar é o mesmo que nos leva ao mesmo lugar. Fantasiar é mais fácil. Nas fantasias somos mais fortes. Criamos situações e inventamos diversos fins para elas. Reinventamos acontecimentos e reinventamos desfechos para eles. Controle total da situação. ? . Aqui dentro, cérebro, o mundo torna-se maior ainda. Imenso, completo, vago e vastidão. Lá fora chove, bravia chuva. Forte sol. Aqui dentro frio e calor, e até dá pra distinguir quando se consegue a medida. Lá fora realização e tentativa, na congruente ordem. Aquielá, láAqui. Tudo ensaios.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Carente profissional.

"Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:
Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.
Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra."

Emprestado com Caio F. de Abreu.